Gigante asiático patrocina frente e grupos parlamentares que compartilham de seus interesses

Destino de 30% das exportações brasileiras, a China ampliou sua influência no Congresso nas últimas décadas. O gigante asiático promove viagens, patrocina frente e grupos parlamentares e barra ação pró-Taiwan.

Destino de 30% das exportações brasileiras, a China ampliou nas últimas duas décadas sua influência no Congresso em Brasília. O gigante asiático completa 50 anos de relações diplomáticas com o país e acumula aliados na Câmara e no Senado.

Uma frente parlamentar e dois grupos de trabalho que contam com financiamentos esporádicos da Embaixada da China e de empresas da nação asiática existem atualmente nas Casas. O alinhamento de políticos garante a Pequim a defesa de pautas de seu interesse, que impactam negócios e temas sensíveis ao país.

É o caso, por exemplo, do destino de uma ação liderada em setembro passado pelo PL de Jair Bolsonaro. Deputados da sigla tentaram criar uma frente parlamentar Brasil-Taiwan. Conseguiram o apoio formal de 213 deputados, 15 a mais do que o mínimo necessário. Mas o requerimento está até hoje parado na Mesa da Câmara e não figura na relação oficial de frentes parlamentares do Congresso.

O deputado Junio Amaral (PL-MG), escolhido para presidir a frente, diz que o grupo chegou a constar no sistema da Câmara. Mas desde outubro passado —um mês depois da protocolação do pedido e mesmo período em que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), visitou a China com uma comitiva de deputados—, ela aparece no portal da Câmara como “aguardando despacho” do presidente.“A frente, moralmente falando, está criada”, afirma o deputado bolsonarista.

O Brasil não reconhece Taiwan como país desde 1974, quando reatou relações diplomáticas com a China comunista. A ilha é um tema sensível para Pequim, que considera a província governada por um grupo de dissidentes derrotado na revolução de 1949 parte inalienável de seu território.“Uma frente Brasil-Taiwan seria um incômodo”, afirma o Daniel Almeida (PC do B-BA), presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China. Ele diz que houve uma ação da embaixada para barrar o movimento, e que sua formalização representaria desgaste desnecessário.

O presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, Fausto Pinato (PP-SP), diz que também agiu para impedir a iniciativa do PL. “Não faz sentido criar esse mal-estar e ir contra uma decisão já tomada pela nossa diplomacia”, defende.

A Folha questionou a Presidência da Câmara e a Embaixada da China no Brasil, mas não obteve respostas.O Congresso conta com uma frente e dois grupos parlamentares de relação com a China, um na Câmara e outro no Senado.Frentes parlamentares consistem em grupos de legisladores que defendem os mais diversos interesses, como saúde, segurança pública e agropecuária. Já os grupos têm como objetivo estreitar laços do Parlamento brasileiro com os Legislativos de outros países.

Presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China da Câmara, que conta com 30 deputados, Daniel Carvalho (BA) está na função devido à tradicional relação entre seu partido, o PC do B, com o Partido Comunista Chinês. A iniciativa foi criada pelo deputado Haroldo Lima (1939-2021), líder histórico do PC do B.

Carvalho esteve na comitiva de políticos e empresários que o presidente Lula (PT) levou ao país asiático em abril de 2023 e naquela que Lira chefiou meses depois, em outubro.O deputado diz que o elo entre o Congresso e a China se dá não só por meio da embaixada como também diretamente com o PC chinês. “O contato é permanente, quase semanal. Eles têm um ministro de relações institucionais na embaixada para isso.”

Frentes e grupos parlamentares não recebem recursos diretos da Câmara e do Senado para funcionarem, mas contam com financiamento indireto, como eventuais custeios de viagens aos países em missões oficiais. Eles ainda podem receber repasses de entidades privadas e de empresários com interesse no setor. “Quando a gente faz um evento, a gente liga para empresários chineses e eles ajudam”, afirma Pinato.

Na última terça-feira (6), por exemplo, foi inaugurada uma exposição no Salão Nobre do Congresso alusiva aos 50 anos do reconhecimento da China comunista pelo Brasil. As empresas chinesas BYD e XCMG repassaram R$ 30 mil e R$ 50 mil, respectivamente, para o evento, segundo Carvalho.

Em 2023, a XCMG vendeu R$ 326 milhões em máquinas para a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), estatal responsável por obras para a redução de desigualdades regionais. O grupo chinês é um dos líderes globais na produção de equipamentos como motoniveladoras, carregadeiras, retroescavadeiras, escavadeiras hidráulicas e compactadores para terraplanagem.

Deputados da oposição pediram auditoria do Tribunal de Contas da União para verificar a regularidade dos processos de licitação dessas compras. Parlamentares aliados do governo tentaram derrubar a solicitação, mas o pedido foi encaminhado ao TCU, que analisa o caso. A empresa chinesa tem fábrica em Pouso Alegre (MG) e anunciou novos investimentos no país, no Pará, onde fornece maquinas de mineração para a Vale. Procurada, a XCMG não se pronunciou.

O aumento das relações comerciais com chineses ampliou o diálogo dos parlamentares com autoridades do país, afirma o deputado Fausto Pinato. “Antes era mais centralizado nas siglas de esquerda.” Apoiador de Bolsonaro na eleição de 2018, ele se orgulha de ter ido nas últimas três visitas de presidentes a Pequim. Esteve na comitiva de Michel Temer (MDB), em 2017, na de Bolsonaro, em 2019, e na de Lula, no ano passado. “O Lula me pegou pelo braço, me colocou na frente do Xi Jinping e disse para ele que eu tive a coragem de apoiar a China durante os ataques do governo Bolsonaro”, relata.

O petista se referia a um episódio ocorrido em maio de 2021, quando Pinato saiu em defesa do país asiático após Bolsonaro perguntar retoricamente a seus apoiadores se a Covid-19 não poderia ser “uma nova guerra” e insinuado que Pequim tinha se beneficiado da pandemia. Pinato recomendou, na época, a interdição civil de Bolsonaro para tratamento médico. “Pode tratar-se de uma grave doença mental que faz o nosso presidente confundir realidade com ficção”, afirmou.

Parlamentares que mantêm diálogo com autoridades chinesas comemoram a proximidade do atual governo com o país asiático. Isso acontece até mesmo entre membros da bancada do agronegócio, oposição histórica ao PT.

A China foi o destino de 36,2% das exportações agropecuárias do Brasil em 2023, de acordo com dados da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Um dos líderes da Frente Parlamentar da Agropecuária, o deputado Luiz Nishimori (PSD-PR) destaca a importância da parceria comercial. “Os chineses estão querendo se aproximar muito do Brasil porque agora é o Lula, é a esquerda”, afirma. “A China sempre quis, e na verdade ainda quer, dominar o mundo economicamente.”

Folha de S.Paulo 12 Agosto de 2024

BRASIL-CHINA, 50 Por: Paulo Passos e Ranier Bragon

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