Ao discursar em evento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nesta quinta-feira (13) em Genebra (Suíça), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o trabalho informal, a precarização e a pobreza persistem no mundo e defendeu a necessidade de pavimentar o caminho para um novo contrato social, que coloque o ser humano no centro das políticas.

“Apesar das projeções da taxa de desemprego mundial para este ano e o próximo apontarem modesta diminuição de 5% para 4,9%, não devemos nos iludir. A informalidade, a precarização e a pobreza são persistentes. O número de pessoas em empregos informais saltou de aproximadamente 1,7 bilhão, em 2005, para 2 bilhões neste ano. A renda do trabalho segue em queda para os menos escolarizados. As novas gerações não encontram espaço no mercado”, disse.

O presidente participou do lançamento da Coalizão Global para Justiça Social, realizado durante a 112ª Conferência Internacional do Trabalho. Uma comitiva da CSB participa da Conferência desde o primeiro dia, em 3 de junho, e acompanhou o discurso do presidente.

“Foi um grande discurso que orgulhou a delegação brasileira. Os desafios são grandes. O poder econômico não quer mudanças. A democracia no mundo está em risco. Mas é preciso manter a esperança e a resiliência que conquistaremos dias melhores”, comentou Antonio Neto após o evento.

Aos presentes, Lula disse que vivemos sob uma arquitetura financeira disfuncional, que alimenta desigualdades.

“Não se pode discutir economia e finanças sem discutir emprego e renda. Precisamos de uma nova globalização, uma globalização de face humana”. E acrescentou: “Queremos pavimentar o caminho para um novo contrato social, que coloque o ser humano no centro das políticas”.

O presidente também abordou a questão ambiental e lembrou que a crise climática será prioridade da COP-30, a ser realizada em novembro de 2025, em Belém (PA). 

“As florestas tropicais não são santuários para o deleite da elite global. Tampouco podem ser tratadas como depósitos de riquezas a serem exportadas. Debaixo de cada árvore vivem trabalhadoras e trabalhadores que precisam de emprego e renda. A sociobioeconomia, a industrialização verde e as energias renováveis são grandes oportunidades para ampliar o bem-estar coletivo e efetivar a transição justa que defendemos”, afirmou.

Os conflitos na Faixa de Gaza e entre a Rússia e a Ucrânia foram citados por Lula no discurso. “Trabalhadores que deveriam dedicar-se a suas vidas e famílias são direcionados para frentes de batalha de onde ninguém sabe se irá voltar e quem sairá vencedor.”

Presidente Lula com o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom (esquerda), e o diretor-geral da OIT, Gilbert Houngbo.

Confira a íntegra do discurso de Lula na OIT:

É com grande satisfação que participo da 112a (centésima décima segunda) Conferência Internacional do Trabalho. Retorno à OIT com esperança renovada na atuação conjunta de governos, trabalhadores e empregadores para superar tempos adversos.

Não foram poucas as vezes em que o mundo voltou seus olhos para a OIT em busca de soluções ao longo de seus 100 anos de história. Esta é uma das primeiras organizações internacionais a ganhar o prêmio Nobel da Paz, em 1969. Foi nesta assembleia, em maio de 2003, que escolhi fazer meu primeiro discurso em um organismo das Nações Unidas como chefe de estado. E foi aqui que nos reunimos para discutir a crise do emprego causada pelo colapso financeiro de 2008.

Desta vez, vivemos um contexto global muito mais complexo. Nossas sociedades ainda se recuperam dos efeitos da pandemia de covid-19 em ritmos muito desiguais. Novas tensões geopolíticas se somam a conflitos existentes em diferentes partes do planeta. As transições energética e digital já impacientam trabalhadores de todos os países.

Os efeitos da mudança climática têm deteriorado a qualidade de vida ao redor do mundo. Atualmente, 2,4 bilhões de trabalhadores são afetados diretamente pelo calor excessivo.

O papel da OIT e de seu arranjo tripartite é ainda mais relevante hoje do que quando foi criada. Nunca, nunca a justiça social foi tão crucial para a humanidade. É central resgatar o espírito da Declaração da Filadélfia, adotada há 80 anos atrás. Nela consignamos que o trabalho não deve ser tratado como mercadoria, mas sim fonte de dignidade. O bem-estar de cada um depende do bem-estar de todos.

Como afirmou o Papa Francisco, não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza e nem justiça na desigualdade. Por isso, aceitei o convite do diretor-geral Gilbert para copresidir a Coalizão Global para a Justiça Social. Ela será instrumental para implementar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

O ODS 8 (oitavo item dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) sobre “Trabalho Decente para Todos” não está avançando na velocidade e na escala necessárias para o cumprimento de seus indicadores. Apesar das projeções da taxa de desemprego mundial para este ano e o próximo apontarem modesta diminuição de 5% para 4,9%, não devemos nos iludir. A informalidade, a precarização e a pobreza são persistentes.

O número de pessoas em empregos informais saltou de aproximadamente 1,7 bilhão, em 2005, para 2 bilhões neste ano. A renda do trabalho segue em queda para os menos escolarizados. As novas gerações não encontram espaço no mercado. Muitos não estudam, nem trabalham. Há elevado desalento. Quase 215 milhões – mais do que a população do Brasil – vivem em extrema pobreza mesmo estando empregados.

As desigualdades de gênero, raça, orientação sexual e origem geográfica são agravantes desse cenário. Em todo o mundo, as mulheres são um dos elos mais vulneráveis da cadeia do trabalho. A máxima “salário igual para trabalho igual” ainda é uma utopia. Mais de meio bilhão de mulheres em idade ativa estão fora da força de trabalho devido à divisão desigual das responsabilidades familiares e dos cuidados.

Dos 280 milhões de migrantes em todo o mundo, 80% vivem no Sul Global. Em muitos casos, as remessas desses trabalhadores superam os investimentos estrangeiros em seu país de origem. Quase 650 bilhões de dólares foram enviados por imigrantes a países de baixa renda e média renda. Esses recursos são fundamentais, mas insuficientes.

Temos uma arquitetura financeira disfuncional, que alimenta desigualdades. Os bancos de desenvolvimento investem muito pouco.

Senhoras e senhores,

Há um provérbio antigo que afirma que “se queremos paz, temos de nos preparar para a guerra”. Ao lançar a pedra fundamental da OIT, nossos antecessores sabiam e subverteram essa lógica ao consagrar o lema “se desejas a paz, cultiva e não permita a injustiça”.

Essa máxima é ainda mais pertinente hoje. As guerras na Ucrânia, em Gaza e tantos outros conflitos esquecidos nos afastam desse ideal. Trabalhadores que deveriam dedicar-se a suas vidas e famílias são direcionados para frentes de batalha de onde ninguém sabe se irá voltar e quem sairá vencedor.

Foi assim na Primeira Guerra Mundial, de cujos escombros saíram a Liga das Nações e a própria OIT. A Segunda Guerra Mundial terminou com 70 milhões de mortos, 3% da população da época – majoritariamente jovens e com pouca idade.

O ano de 2023 viu o gasto com armamentos subir 7% em relação a 2022, chegando a 2,4 trilhões de dólares. A irracionalidade de um conflito na Europa reacende os temores de uma catástrofe nuclear. Em Gaza, há mais de 37 mil vítimas fatais. A maioria são mulheres e crianças.

Esse conflito também acumula o triste recorde de mortes de trabalhadores humanitários. Por isso é importante afirmar: o mundo precisa de paz e prosperidade E não de guerra.

Em 2024, o maior número de eleitores da História se dirigirá às urnas. Quase metade da população mundial participará de processos eleitorais, renovando as esperanças de um futuro melhor. A democracia e a participação social são essenciais para a conquista de direitos trabalhistas. Sem a democracia, um torneiro mecânico jamais teria chegado à Presidência da República de um país como o Brasil.

Os ataques à democracia historicamente implicaram a perda de direitos. Não é mera coincidência que meu país foi investigado por violar normas desta Organização durante o governo de meu antecessor.

O extremismo político ataca e silencia minorias, negligencia os mais vulneráveis e vende muita ilusão. A negação da política deixa um vácuo a ser preenchido por aventureiros que espalham a mentira e o ódio.

A contestação da ordem vigente não pode ser privilégio da extrema direita. A bandeira anti-hegemônica precisa ser recuperada pelos setores populares progressistas e democratas.

Recuperar o papel do Estado como planejador do desenvolvimento é uma tarefa urgente. A mão invisível do mercado só agrava desigualdades. O crescimento da produtividade não tem sido acompanhado pelo aumento dos salários, gerando insatisfação e muita polarização.

Não se pode discutir economia e finanças sem discutir emprego e renda. Precisamos de uma nova globalização – uma globalização de face humana. A justiça social e a luta contra as desigualdades são prioridades da presidência do Brasil do G20 que se realizara em novembro próximo.

Fiz questão de convidar a OIT para contribuir com as discussões do Grupo. Estamos discutindo como promover uma transição justa e utilizar as tecnologias emergentes para melhorar o universo laboral.

Nossa iniciativa prioritária, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, busca acelerar os esforços para eliminar essas chagas.

O Brasil está impulsionando a proposta de taxação dos super-ricos nos debates do G-20.

Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. Estamos falando de 3 mil pessoas que detêm quase US$ 15 trilhões em patrimônio. Isso representa a soma dos PIBs do Japão, da Alemanha, da Índia e do Reino Unido. É mais do que se estima ser necessário para os países em desenvolvimento lidarem com a mudança climática.

A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Não precisamos buscar soluções em Marte. É a Terra que precisa do nosso cuidado.

As enchentes que levaram destruição ao Sul do Brasil, ao Quênia e à China, e as secas na Amazônia, na Europa e no continente africano mostram que o planeta já não aguenta mais. A crise climática será prioridade da COP-30 que será feita na cidade de Belém em um estado da Amazônia.

As florestas tropicais não são santuários para o deleite da elite global. Tampouco podem ser tratadas como depósitos de riquezas a serem exportadas. Debaixo de cada árvore vivem trabalhadoras e trabalhadores que precisam de emprego e renda.

A sociobioeconomia, a industrialização verde e as energias renováveis são grandes oportunidades para ampliar o bem-estar coletivo e efetivar a transição justa que defendemos.

Ações e políticas voltadas para o desenvolvimento de habilidades digitais e sustentáveis serão fundamentais em uma economia global cada vez mais descarbonizada e intensiva em tecnologia.

Nas revoluções industriais anteriores, aprendemos que inovações tecnológicas podem ampliar os horizontes da humanidade. Mas foi a luta dos trabalhadores que disciplinou e democratizou seu uso.

A inteligência artificial transformará radicalmente nosso modo de vida. Teremos que atuar para que seus benefícios cheguem a todos e não apenas aos mesmos países que sempre ficam com a parte melhor. Do contrário, tenderá a reforçar vieses e hierarquias geopolíticas, culturais, sociais e de gênero.

Um terço da população mundial está fora da Internet, e parcela ainda maior não usufrui de conectividade significativa. A diversidade linguística ainda não está adequadamente representada no ambiente digital. O poder computacional necessário para mover suas engrenagens é desigualmente distribuído. Seu insumo essencial são nossos dados, nossa atenção e nosso tempo, e é disputado ferozmente por um punhado de empresas.

Nenhum país é capaz de resolver sozinho os dilemas que afetam toda a sociedade internacional. Precisamos buscar as melhores experiências onde quer que elas estejam para que a gente possa colocar em prática no mundo inteiro.

O Brasil se inspirou no governo espanhol, sob a liderança de Pedro Sanchez, para regular o trabalho por aplicativos de transporte e promover um acordo sobre jornadas de trabalho, salários e previdência social.

O presidente Biden mostrou-se um grande aliado na construção de um novo marco para a construção de uma relação entre capital e trabalho. Esse é o sentido da Parceria para o Direito dos Trabalhadores que lançamos na ONU, no ano passado, ao lado do Diretor-Geral, nosso companheiro Houngbo.

Queremos pavimentar o caminho para um novo contrato social, que coloque o ser humano no centro das políticas.

Em meu terceiro mandato, tenho renovado o compromisso com o mundo do trabalho. Tenho certeza de que retomamos as políticas de valorização do salário mínimo, de erradicação do trabalho infantil e de combate a formas contemporâneas de escravidão.

Aprovamos uma lei sobre igualdade de remuneração entre homens e mulheres e nos somamos ao chamado da OIT para que mais países, sindicatos e empresas integrem a Coalizão Internacional pela Igualdade Salarial.

Também estamos formulando um Plano Nacional de Cuidados que considera as desigualdades de classe, gênero, de raça, idade, deficiências e territórios, com olhar especial para o mundo do trabalho doméstico.

Temos uma política forte de geração de emprego e de reindustrialização do país, com responsabilidade fiscal.

Somente a indústria automobilística anunciou investimentos de 25 bilhões de dólares, o que não acontecia no Brasil há mais de 40 anos.

Um país que gera condições de investimento está protegendo seus trabalhadores, está gerando emprego e permitindo que a massa salarial cresça.

Quando a economia cresce, o desemprego diminui e a renda aumenta. São 2,2 milhões de empregos formais criados desde o início do meu governo. O desemprego no primeiro trimestre deste ano foi o menor desde 2014.

Senhoras e senhores,

Ao longo de mais de um século, a OIT contribuiu para inúmeras conquistas que elevaram o padrão de qualidade de vida das pessoas e fortaleceram a paz, segurança e prosperidade.

A Coalizão Global que estamos lançando hoje será uma ferramenta central para construir uma transição com justiça social, trabalho decente e igualdade. Isso será particularmente importante neste contexto de transição para uma ordem multipolar, que exigirá mudanças profundas nas instituições.

Por isso o Brasil vai trabalhar pela ratificação da Emenda de 1986 à Constituição da OIT, que propõe eliminar os assentos permanentes dos países mais industrializados no Conselho da Organização.

Não faz sentido apelar aos países em desenvolvimento para que contribuam para a resolução das crises que o mundo enfrenta hoje sem que estejam adequadamente representados nos principais órgãos de governança global.

Nossas decisões só terão legitimidade e eficácia se tomadas e implementadas democraticamente. Esse é o melhor caminho a seguir para garantir o desenvolvimento sustentável, os direitos dos mais vulneráveis e a proteção do planeta.

Vamos semear a justiça e colher a paz de que o mundo tanto precisa.

Muito obrigado.


Fonte: Agência Gov (editado)

Foto: Ricardo Stuckert/PR

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