Embora esteja previsto um período de transição para a mudança do imposto, cresce a procura por especialistas

A perspectiva de criação de um novo tributo estadual sobre heranças e doações, prevista na reforma tributária, tem levado contribuintes a uma corrida para revisar seus planos patrimoniais com advogados e consultorias especializadas. Isso porque o projeto de regulamentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC/45) da reforma tributária, aprovado pela Câmara na semana passada e agora em análise no Senado, modifica a alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Atualmente, 11 Estados, entre os quais São Paulo e Minas Gerais, cobram alíquotas fixas de 4% sobre transmissão de heranças e doações. Outros 15 Estados e o Distrito Federal (DF) aplicam alíquotas progressivas para o ITCMD, que podem chegar a 8%. A proposta da reforma tributária, no entanto, tira poder dos Estados e estabelece que todo o País tenha uma só forma de tributação: progressiva e com teto de 8%. Em São Paulo, já há um projeto (PL 07/24) que tem por objetivo modificar a Lei n.º 10.705, determinando a mudança de alíquotas fixas para progressivas.

Isso quer dizer que, após a mudança, um morador de São Paulo poderá pagar até o dobro de alíquota na transferência de um imóvel. Para fugir dessa alta, muitas famílias começaram a antecipar a herança. “Observamos um aumento de 15% nas consultas relacionadas ao planejamento sucessório nos últimos meses”, diz o CEO da consultoria Herdei, Daniel Duque, especializado em inventário extrajudicial e planejamento sucessório.

“Muitos também estão preocupados com a falta de clareza sobre como essas mudanças serão implementadas, e como isso afetará os processos já em andamento”, acrescenta ele.

PREVIDÊNCIA PRIVADA. O texto do projeto de lei de regulamentação da reforma tributária prevê a incidência do ITCMD também sobre planos de previdência privada complementar, incluindo Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL).

Segundo dados de 2022, o ITCMD hoje representa 0,4% da carga tributária nacional, em linha com a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A cobrança do ITCMD sobre bens no exterior também já era feita por alguns Estados, mesmo sem uma lei que regulamentasse o tema. Em 2021, porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou as leis estaduais inconstitucionais, mas isentou os governos de restituir os valores cobrados anteriormente.

A empresária do setor de tecnologia Ana Carolina Rocha, de 54 anos, é uma das pessoas que correm contra o tempo para ajustar seu planejamento financeiro familiar diante das mudanças iminentes. “Minha maior preocupação é garantir que meus filhos e netos recebam o patrimônio que construí ao longo dos anos de forma justa e minimizando os impactos fiscais.”

Ela também se diz preocupada com a necessidade de agir rapidamente. “As mudanças estão se aproximando e não podemos nos dar ao luxo de procrastinar. Cada decisão agora pode ter grandes repercussões no futuro”, afirma.

MUDANÇA SERÁ GRADUAL. Assim como Ana Carolina, o empresário do ramo de construção civil Renato Albuquerque, de 58 anos, está se apressando para transferir seu patrimônio à família, sobretudo um imóvel comercial para seu filho mais velho, antes que possíveis alterações tributárias entrem em vigor. “Estamos agindo rapidamente para aproveitar as alíquotas atuais do ITCMD. Ainda estamos numa condição favorável”, comenta.

Os especialistas lembram, no entanto, que as mudanças da reforma tributária entrarão em vigor de forma gradual, com período de transição até 2033. Segundo o advogado Rogério Baptista Fedele, sobre o ITCMD, além desse prazo, existem duas formas de anterioridade que podem ser aplicadas: a nonagesimal, em que o tributo só entra em vigor após 90 dias da publicação da lei, e a anual, que condiciona a vigência ao próximo exercício fiscal.

“Com a aprovação do projeto de regulamentação, haverá um tempo adequado para movimentações patrimoniais antes da vigência das novas alíquotas. Mas, quanto maior a antecedência das análises e definições, maior é a assertividade de um planejamento patrimonial bem-feito.”

Apesar disso, a perspectiva de mudança nas regras preocupa os contribuintes, que, na dúvida, preferem a atual alíquota do ITCMD. Esse é o caso da médica Marina Costa, de 48 anos, que, sem tempo, diz estar desesperada com a mudança e avisa que vai ter de “terceirizar” o serviço para o ex-marido fazer. Dona de dois imóveis de alto padrão, ela diz que tem medo de que a reforma atrapalhe sua estabilidade financeira e seus planos para o futuro. “Essas mudanças são como uma tempestade repentina, que ameaça minha segurança financeira e a segurança da minha família”, compara Marina. “Sinto-me pressionada a tomar decisões rápidas e estratégicas.”l

Alcance

Novas regras preveem a incidência do imposto de herança sobre fundos de previdência privada

Os impactos da reforma tributária sobre heranças

• Mercado financeiro

Os especialistas preveem uma maior diversificação, com maior procura por produtos que ofereçam isenção ou tributação menor, coma estruturação de holdingsfa miliares e outros mecanismos legais para reduzira carga tributária

• Mercado imobiliário

São recomendadas também as antecipações na transferência de imóveis, afim de minimizar os impactos fiscais futuros, o que implica planejamento sucessório imediato para garantir as alíquotas estaduais atuais e evitar possíveis aumentos da nova legislação

• Previdência privada

O projeto de regulamentação da reforma tributária autoriza Estados atributarem aplicações em planos de previdência privada, como os fundos VGBL, transmitidos a beneficiários por herança. Valores aportados há mais de cinco anos antes da aprovação da lei, contudo, não serão objeto de tributação no caso do VGBL, por exemplo

• Bens no exterior

A reforma permite a cobrança do ITCMD sobre heranças de quem tem bens no exterior, ou de quem era residente ou teve o inventário processado fora do Brasil

O Estado de S. Paulo.17 Julho 2024 Por: MURILO MELO

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