Apesar do aumento dos investimentos, metas der e dede água para 99% da população e de esgoto para 90% estão distantes.

De acordo com dados oficiais, quase metade da população brasileira, o equivalente a 100 milhões de pessoas, não conta com rede de esgoto e 15%, ou cerca de 30 milhões, não têm acesso à rede de água. Do esgoto gerado no País, quase 50% também não passa por tratamento.

Segundo o Banco Mundial, o Brasil ocupa apenas o 81.º lugar na lista de 135 países com maior acesso da população a rede de esgoto, abaixo da Faixa de Gaza, da Índia, do Marrocos, da África do Sul e do Peru. No ranking dos países em que há mais acesso a rede de água, o Brasil aparece na 62.ª posição, atrás da Malásia, de Porto Rico e do Turcomenistão.

No entanto, desde a aprovação do Marco Legal do Saneamento, em julho de 2020, que estabeleceu metas de universalização dos serviços até 2033 e estimulou a concorrência e a participação da iniciativa privada no setor, até então dominado por empresas públicas, uma transformação significativa vem ocorrendo na área.

Quatro anos depois da aprovação do novo marco, os investimentos na ampliação das redes de água e de coleta e tratamento de esgoto começam a ganhar tração. De acordo com estudo divulgado pela Abcon, a associação que reúne as empresas privadas do setor, os investimentos chegaram a R$ 22,5 bilhões em 2022, um recorde histórico. E, no ano passado, conforme as estimativas da entidade, superaram R$ 26,8 bilhões. “Os números mostram um avanço considerável”, afirma a diretora executiva da Abcon, Christianne Dias Ferreira (mais informações na pág. B2).

No entanto, para cumprir as metas de universalização de 99% para a água e de 90% para coleta e tratamento de esgoto até 2033, será preciso acelerar ainda mais o volume dos investimentos, de acordo com analistas e profissionais que atuam no setor. No ritmo atual, há um consenso de que as metas dificilmente serão atingidas.

O estudo da Abcon, que levou em conta o período de 2022 a 2033, calcula que, para a universalização ocorrer no prazo, será necessário realizar um investimento total de R$ 893 bilhões, ou R$ 74,4 bilhões ao ano. Apesar da alta em relação a anos anteriores, o investimento médio em 2022 e 2023 ficou em R$ 24,6 bilhões ao ano, conforme estimativas da entidade, 67% abaixo do necessário. Isto significa que, ao passo atual, o País levaria 36 anos para alcançar a universalização, a contar de 2022, e só aconteceria em 2057.

Já o estudo da consultoria GO Associados para o Instituto Trata Brasil prevê a necessidade de um investimento de R$ 509 bilhões em 11 anos (2023-2033) ou R$ 46, 3 bilhões ao ano, mais do que o dobro dos R$ 20,9 bilhões, em média, registrados de 2018 a 2022. Neste caso, incluindo 2023, a universalização só seria concretizada em 2046.

Mesmo com participação da iniciativa privada, meta só seria alcançada a partir de 2046

Até agora, incluindo a Sabesp, já foram realizados 46 leilões de concessão e privatização dos serviços de saneamento desde julho de 2020, em 19 Estados, de acordo com a Abcon, associação que reúne as empresas privadas do setor de saneamento, e contratados cerca de R$ 140 bilhões em novos investimentos privados na área até 2033, sem contar os recursos obtidos com a venda de ações da ex-estatal paulista no mercado global e os valores pagos como outorga aos controladores, que somaram R$ 49,5 bilhões.

Há, ainda, conforme a Abcon, um novo ciclo de projetos sendo estruturados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e por consultorias privadas. No total, são 43 projetos em estruturação, com potencial para render mais R$ 105 bilhões em novos investimentos e outorgas, segundo a entidade, incluindo as concessões do Piauí e de Sergipe.

Para a universalização do saneamento até 2033 se concretizar, porém, será preciso acelerar ainda mais o volume dos investimentos daqui para frente, de acordo com analistas e profissionais que atuam no setor. Muitos executivos já falam que será inevitável esticar o prazo até 2040 – uma medida prevista na nova legislação, desde que haja o aval da agência reguladora para que a meta seja atendida em todo o País.

A Equatorial Participações e Investimentos, que passou a ser investidora de referência da Sabesp e a ocupar um assento no conselho de administração com a conclusão da oferta pública da empresa, se comprometeu a entregar a universalização até 2029, quatro anos antes do prazo previsto pelo novo marco. Para isso, terá de expandir a rede de tratamento de esgoto para mais 10 milhões de pessoas, a de coleta para 5 milhões e a rede de água para 2 milhões, inclusive em áreas rurais.

No entanto, muitas cidades, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, devem atrasar a meta. Segundo Gesner Oliveira, ex-presidente da Sabesp e consultor da GO Associados, ainda há 579 municípios em situação irregular, 80% dos quais de pequeno porte, com menos de 20 mil habitantes. São municípios que têm contratos precários com as operadoras ou assinaram contratos com empresas que ainda não comprovaram capacidade financeira para promover a universalização ou não incluíram no documento as metas previstas no novo marco.

“Quanto mais tempo passa, mais difícil fica alcançar as meta, porque tem de captar recursos no menor prazo possível, em volume alto, e intensificar as obras nas cidades, com mais frentes de trabalho”, diz Neuri Freitas, presidente da Aesbe, a entidade que reúne as empresas estaduais de saneamento, e da Cagece, a companhia de água e esgoto do Ceará, que realizou uma concessão na área em 2023, para atendimento a 24 municípios nas regiões metropolitanas de Fortaleza e do Cariri, onde fica Juazeiro do Norte.

Em tese, conforme o novo marco, os retardatários deveriam perder o direito de receber verbas federais e contrair empréstimos com bancos públicos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, flexibilizou a punição por meio de dois decretos editados em julho do ano passado, a partir de um acordo feito com o Congresso, após uma tentativa fracassada de revogar a essência do dispositivo, que permitiria, entre outras coisas, a manutenção pelos municípios de contratos sem licitação com as estatais de saneamento.

REFORMA TRIBUTÁRIA. De acordo com representantes do setor, a reforma tributária promulgada pelo Congresso no fim do ano passado penalizou o saneamento básico, ao não incluir a atividade como sendo um serviço da área de saúde, o que beneficiaria o setor com desconto de 60% sobre a alíquota de referência, de 26,5%. Segundo eles, o enquadramento do saneamento na área de saúde teria impacto de 0,2 ponto

Segundo a GO Associados, há 579 municípios em situação irregular, 80% dos quais de pequeno porte porcentual na alíquota geral e manteria praticamente inalterada a atual carga tributária da atividade no novo sistema. “É difícil entender como o Congresso, que debateu tanto o marco legal, dizendo que a iniciativa privada iria ajudar a universalização, que a gente iria alcançar isso em dez anos, aprovou uma reforma tributária que incluiu um aumento de tributos para o setor de saneamento”, afirma Freitas. Se o texto não for modificado no Senado, deverá haver uma alta de 18 pontos porcentuais na carga tributária do setor, de acordo com a GO Associados.

O Estado de S. Paulo. 12 Agosto de 2024

Por: JOSÉ FUCS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui