Insatisfeitos são desafio às empresas.

Casos como o de uma auxiliar administrativa ouvida pelo Estadão, que se queixou de não ser remunerada pelas horas extras na rede de academia em que trabalha, ainda enfrentar casos de assédio e ter por diversas vezes pedido socorro ao RH da empresa sem sucesso, são uma das faces de um fenômeno que tem se espalhado pelo mundo corporativo: o “resenteeism”. O termo descreve o ato de manifestar infelicidade e, mesmo assim, na falta de alternativa de um novo emprego, permanecer no trabalho. Trata-se de um contexto que inquieta, principalmente, a geração Z.

A tradução literal do termo é ressentimento. Aplicada ao mundo do trabalho, significa uma pessoa que se ressente e deixa clara a sua insatisfação. No mercado, o fenômeno é sucessor do “quiet quitting”, movimento que defende a conduta de profissionais que se recusam a trabalhar além do básico em prol de qualidade de vida e saúde mental. “Resenteeism”, por sua vez, se diferencia da tendência anterior por externalizar o incômodo causado pelo trabalho.

DESEJO DE MUDANÇA. “Quem reclama ainda está querendo solucionar”, analisa Maíra Blasi, especialista em futuro do trabalho e fundadora da Subversiva, consultoria especializada em transformação organizacional. Ela afirma que o fenômeno ganhou destaque a partir de um despertar das últimas gerações.

“Historicamente, as revoluções vieram dos jovens. As pessoas mais velhas também têm potencial de questionar, mas estão cansadas e acabam ficando anestesiadas pelo funcionamento do mundo como ele é”, complementa.

CENÁRIO ECONÔMICO. A consultora sugere que as novas profissões, a exemplo de influencers e criadores de conteúdo, estimularam reflexões sobre a representação do trabalho no cotidiano do indivíduo. Agora, “o trabalho como centro da vida” deixa de ser prioridade e abre espaço para questionamentos.

As ondas de demissões, o cenário econômico incerto e a estagnação salarial também são fatores apontados por Blasi para a mudança de rota reforçada pelo fenômeno.

Dentre os caminhos possíveis, ela sugere que o pontapé é aceitar que existe um problema estrutural na empresa. Em paralelo, Maíra alerta que não adianta culpabilizar a liderança ou o trabalhador que está na base tentando comunicar a insatisfação.

A alternativa, segundo a consultora, é fortalecer diálogos e cobrar as estruturas de poder. “Pessoas que ocupam cargos altos têm o poder e a influência para alterar as práticas e repensar a forma como estabelecemos acordos, práticas e novos modelos”, afirma a especialista da Subversiva.

FEEDBACK HUMANIZADO. Pensando na busca pela promoção de uma comunicação mais transparente em que os líderes possam identificar episódios de “resenteeism” em sua equipe e lidar de forma adequada, há quem aposte no feedback humanizado capaz de garantir modelos que funcionem para todas as pessoas.

É o que defende Arlane Gonçalves, consultora de carreira, diversidade e comunicação e fundadora da AG Consultoria. Segundo ela, uma cultura de pertencimento pode possibilitar que o funcionário se sinta mais seguro para conversar com a liderança sobre problemas relacionado ao trabalho.

Arlene ainda considera uma falácia a ideia de que toda liderança domina a tarefa de dar feedback. “É um mito natural que temos as competências necessárias para desenvolver pessoas num ambiente de trabalho”, ressalta a consultora de carreira da AG.

Ela explica que pessoas em posições de poder carecem de treinamentos personalizados. Mas, para alcançar esse feito, é indispensável utilizar métodos que não surtam efeitos contrários e gerem desmotivação e sensação de infelicidade na vida do colaborador.

“Para empresas que podem investir em habilidades relacionais é muito recomendável, pois o gestor deve entregar feedbacks respeitosos, identificar casos de assédio contra mulheres, discriminação e ter ferramentas para solucionar”, orienta.

Ela destaca que o líder não deve criticar a personalidade da pessoa. O ideal é apresentar perspectivas reais para alinhar algum comportamento. “O feedback é uma ação que gera possibilidade de ação.” Por exemplo, cita direções que melhorem algo específico, avalia o impacto dessa informação e aprimora as reações de quem ouve os feedbacks.

PLANEJAMENTO. Para quem está passando por um período que envolve “resenteeism” no local de trabalho, além de procurar um novo emprego e se manter atualizado em relação às movimentações no mercado, a consultora de carreira Arlane Gonçalves orienta a criar uma rede de apoio.

Assim como Gonçalves, a consultoria Maira Blasi adverte contra ações que alimentem as tensões entre funcionários e líderes, que podem ser contraproducentes e agravar os problemas. Por outro lado, a profissional recomenda que o indivíduo revisite o plano de carreira e o tempo que dedica ao trabalho.

Já a liderança deve ter um novo repertório de mundo e ferramentas que otimizem o trabalho colaborativo, como softs skills e designer organizacional. “O provérbio ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo’ ficou no passado”, comenta.

Especialistas explicam que hoje é exigido dos líderes maior repertório, inclusive para feedback

O Estado de S. Paulo.29 Abril de 2023
Por: JAYANNE RODRIGUES

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