Setor calcula perdas com lavouras destruídas pela chuva e comprometimento de estradas para escoamento da safra

A agricultura do Rio Grande do Sul parecia passar ilesa neste ano da crise climática, mas os temporais e enchentes destes últimos dias colocam em risco boa parte do que ainda não foi colhido.

“O quadro é de dor, e vamos ficar na angústia para dimensionar essa situação. É um cenário nunca visto antes.”

Assim Rogério Kerber, presidente do Fundesa (Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal) e diretor-executivo do Sips (Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos), ambos do Rio Grande do Sul, descreve os efeitos da catástrofe no estado.

A agropecuária está totalmente comprometida em várias regiões. As áreas de grãos ainda não colhidas vão apresentar perdas, os animais não saem das propriedades para o abate, a coleta de leite fica comprometida, e a ração não chega para alimentá-los.

“Nunca se viveu ou se tem notícia de uma situação tão dramática na falta de mobilidade”, diz Kerber.

Os vídeos que circulam pela internet apontam a extensão do problema. Lavouras afetadas, gado boiando rio abaixo, sistema de tráfego interrompido e locais sem comunicação.

Para Ricardo Santin, presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), entidade ligada aos setores de suinocultura e de avicultura, ainda não há levantamentos, mas as perdas podem se agravar ainda mais, uma vez que as chuvas continuam.

Segundo ele, algumas situações são irreversíveis, como as de granjas especializadas na produção de ovos. As galinhas continuam botando, mas não há como escoar o produto. Se a situação persistir, a ração não vai chegar às granjas.

Granjas e frigoríficos fizeram obras de contenção nas últimas ocorrências de chuva e enchentes —já são três desde 2023—, mas o volume de água desta vez é bem maior, segundo ele.

Vlamir Brandalizze, analista do setor de grãos, diz que o Rio Grande do Sul ainda tem 1,5 milhão de toneladas de arroz no campo. O quadro atual de excesso de chuva vai dificultar a colheita, reduzir a produtividade e diminuir a qualidade do cereal. Ele crê que a safra de arroz no estado, antes estimada entre 7,5 milhões e 7,8 milhões de toneladas, deverá ficar um pouco abaixo de 7 milhões.

Com isso, a safra nacional, prevista inicialmente em 10,5 milhões de toneladas, recua para entre 9,5 milhões e 9,8 milhões, uma vez que o Tocantins também teve quebra.

Essa redução de produção nacional ocorre em um momento de menor oferta também no Paraguai, no Uruguai e na Argentina, tradicionais fornecedores do cereal ao Brasil. A Ásia, principal produtora mundial, também tem menor oferta.

A soja será afetada. Quanto mais as máquinas demorarem para ir ao campo, maior a perda. Restam ainda próximo de 5 milhões de toneladas para serem colhidos. Estimada entre 22 milhões e 23 milhões, a safra deverá ficar entre 20 milhões e 21 milhões, diz o analista.

Lavouras de milho semeadas após a colheita do fumo também devem ter quebra, assim como o feijão.

A falta de mobilidade é um dos principais problemas, segundo Kerber. As propriedades agrícolas não escoam o produto, e as indústrias, sem a matéria-prima e os trabalhadores —estes em geral localizados em cidades vizinhas—, têm dificuldades para operar.

O diretor-executivo do sindicato das indústrias diz que o estado abate 40 mil suínos por dia, mas a movimentação diária desses animais chega a 120 mil, contando com as matrizes repostas, leitões na maternidade, movimentação na creche e animais encaminhados para o término da cria e para os frigoríficos.

As aves abatidas chegam a 3,3 milhões por dia, e o trânsito pelas rodovias 386, 390, 122 e pelas estradas vicinais compromete a movimentação, acrescenta Kerber. Além da dificuldade de saídas das propriedades, muitos animais estão presos em estradas com barreiras caídas, sem opção de alimentação e movimentação.

Não só o vaivém de animais e de ração está comprometido entre campo e indústria. Há a possibilidade de extensão da crise, devido às dificuldades na chegada dos alimentos aos centros urbanos. Mais de cem pontes estão interrompidas.

Chuvas e enchentes varreram boa parte da produção de horfifrútis, e o leite não está sendo coletado nas regiões afetadas.

Kerber diz que não dá, ainda, como calcular a dimensão dos estragos, uma vez que muitas empresas estão sem energia, internet e celular.

Vale do Rio Pardo e do Taquari são as regiões mais afetadas, mas os rios dos Sinos e Gravataí também estão sobrecarregados.

O Rio Grande do Sul é o terceiro maior produtor e exportador de carne de frango do Brasil. Tem 11,4% da produção nacional e 14,8% das exportações, segundo a ABPA.

No setor de suinocultura, o estado ocupa o terceiro lugar na produção, representando 19,8% do volume do país, e o segundo lugar nas exportações, com participação de 23,1%.

Folha de S.Paulo 3 Maio 2024

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